Carla Ferreira (Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
O capitalismo petroleiro-rentista na Venezuela: reflexões históricas sobre um padrão de reprodução do capital
O artigo tem por objetivo discutir a questão da dependência no capitalismo petroleiro rentista da Venezuela. Considerado pelo idealizador da OPEP, o venezuelano Juan Pérez Alfonso, como o “excremento del diablo”, como o petróleo é ao mesmo tempo um meio de riqueza fácil e também veículo da reprodução ampliada da dependência? O texto procura refletir sobre o modo em que a indústria petroleira contribui para estabelecer uma determinada configuração de capitalismo, que sob as relações de dependência, agudiza certas contradições das sociedades subdesenvolvidas. Por um lado, o capitalismo petroleiro-rentista, baseado na abundância de mercadoria energética, diferencia-se dos demais países dependentes, ao ser possuidor de um bem de classe mundial que proporciona um excedente econômico valioso, permitindo uma bonança em tempos de preços favoráveis em escala internacional. Ao mesmo tempo, e contraditoriamente, essa potência acentua aspectos da dependência - inclusive em períodos de termos de intercâmbio favoráveis -, quando o aumento da capacidade para importar e a tendência de o capital se deslocar para o setor mais rentável inibem o desenvolvimento das forças produtivas, não somente em outros ramos da indústria, mas na própria produção de alimentos. Tendo por base essa problemática e partindo da noção de padrão de reprodução do capital, desenvolvida por autores da Teoria Marxista da Dependência (TMD) como Ruy Mauro Marini e Jaime Osorio, o artigo volta-se ao estudo comparado de dois períodos da história contemporânea da Venezuela. Os anos 1970, sob a presidência de Carlos Andrés Pérez e a década de 2000, sob o governo de Hugo Chávez. Em ambas conjunturas houve termos de intercâmbio favoráveis para os países exportadores de petróleo. E em ambos os períodos houve tentativas de nacionalização da riqueza petroleira e a promessa de sembrar el petroleo, uma constante no discurso político venezuelano. Embora sob o governo Chávez tenha-se assumido uma ideologia antiimperialista, proclamando mais enfaticamente o objetivo de superar a dependência da exportação de petróleo e diversificar o aparato produtivo interno, as evidências empíricas apontam a persistência e – mesmo – o aprofundamento das características do capitalismo petroleiro-rentista na Venezuela. Neste sentido, é feito um esforço de análise histórica, que ajude a iluminar essa questão para além da disjuntiva “maldición – bendición” do petróleo. Como fontes para a análise, são utilizados dados econômicos das bases estatísticas da CEPAL, do Banco Central de Venezuela e do Instituto Nacional de Estadísticas de Venezuela. Sobre o exame de aspectos como a estrutura da ocupação da força de trabalho, PIB não petroleiro, investimento público e privado desagregado por ramos da produção, índice de produção nacional de bens de consumo, etc. são feitas considerações sobre a evolução histórica do capitalismo petroleiro-rentista e algumas reflexões teóricas, com base na TMD, que ajudem a pensar as determinantes de suas configurações de classe, perfil do Estado e o caráter da dependência na Venezuela.